O RETORNO DE AMON-RÁ

Por Davi Nunesthumb-image-2024-02-29T14:06:01.059Z

I

Ano de 20500. O aeroplano movido à energia solar de Ramsés e Nefertiti sobrevoa uma pirâmide gigantesca, onde, há 500 anos, foi o Cristo Redentor. O céu está bem azul e outros aerotransportes passam como besouros voadores no horizonte.

– Os deuses morrem como renascem, filha. Amon-rá, o deus do sol dos faraós egípcios, nasceu de novo, está sobre as nossas cabeças como todo mundo sabe hoje. –

Ramsés olha para o botão no aerogerador que ativa a função deslocamento no espaço e continua:

 – Os sinais de sua aparição começaram no verão de 2050, em Kemet II, antiga Cidade do Salvador, quando as primeiras pessoas que desproviam de melanina começaram morrer com o efeito da sua presença.

– O senhor quer que?… – Nefertiti olha para o botão piscando vermelho. E Ramsés segue com um tom profético.

– A cor prata luminosa tomou tudo e se esparramou como uma serpente divina, brilhosa, pelos corpos negros que cortavam de um lado a outro as cidades do Brasil. Cada pessoa negra se tornou uma estrela e um poder absoluto emanou dos seus corpos. Foi início de uma nova era. –

– A nossa era, né pai? –

– Sim. A era do povo de Rá.  –

Nefertiti olha do aeroplano a escultura monumental de Amon-Rá. Ele é um homem com cabeça de falcão e em sua cabeça há um disco solar. Ela observa também o tamanho do cajado da vida que está nas mãos do Deus do sol e se estende até se fixar no chão. Nefertiti nota que Rá é visto e adorado por toda Kemet III, antiga cidade do Rio Janeiro. O aeroplano faz uma manobra e ela volta a escutar a voz de Ramsés.

– As pessoas sem melanina na época se refugiaram no subsolo do mundo e, durante muitos anos, à noite saíam em guerra contra nós. As guerras cessaram no ano de 20100, os brancos ianques tentaram explodir o mundo, não aceitaram a volta de Amon-Rá e todo o poder que ele revestiu o nosso povo. Conseguimos impedir a destruição do planeta e vimos essas pessoas sumirem no mundo por ter desafiado o grande Deus do sol. Dizem que ainda existem alguns deles na antiga cidade subterrânea, no inframundo, mas não vemos mais eles na era da luz. –

Nefertiti aperta o botão do aerogerador e o veículo se desloca na velocidade da luz para a estação Kemet II.

– Ramsés, meu pai, como era esse povo? –

Ramsés se segura devido à velocidade do veículo, sente as ondas espaciais, sinaliza para Nefertiti que irá falar depois. Ela ri e o aeroplano chega a Kemet II.  

– Estou velho pra essas viagens, Nefer. Mas agora consigo te contar. Esses homens eram alienígenas.

– Eles não eram terrestres, pai? –

– Exatamente. Não eram. Eles vieram do Planeta Plano, segundo relato dos historiadores da época, perto de Plutão.  –

– Que louco. –

– Eles eram engolidores de rios e florestas. Destruíam tudo. Nenhum terráqueo ousaria destruir a natureza de sua terra. Só aliens, não é mesmo? –

Descem do aeroplano, Nefertiti sente o ar puro de kemet II, a sua cidade de origem e ri.

– Só aliens mesmo, pai. –

– É, acredite em mim. Eles, na época que Rá surgiu, tinham como plano, escoar todos os recursos naturais da terra para o Planeta Plano. Além do genocídio que eles impingiam a nós. Vivíamos em bairros-prisões. Éramos postos em presídios aos milhares e nos matavam como baratas, mas Rá nos salvou, filha. Foram mais de 500 anos que eles tiveram o controle sobre nós. –

– Eu sei, pai.

– É bom saber pra não se repetir, agora vou dar minha aula na universidade de Queops. –

– Eu também vou pai, tenho encontro com Aquen.  Temos trabalhado em algo importante. –

– Espero que não seja essa bobagem de máquina do tempo, nosso melhor tempo é agora. Com o tempo não se brinca, pois ele pode nos dar uma rasteira e alterar todo o nosso destino. –

Ramsés beija a filha, entra no aerocarro e continua.

– Não vá inventar besteira com esse namorado. –

– Tá bom, pai. –

– Que a força de Rá esteja com você, filha. –

– Com o senhor também.

Nefertiti observar o aerocarro voando do seu pai, mexe nos dreads loiros, ajeita o fone de ouvido, corre para a estação e embarca em outro aerotransporte, ansiosa para encontrar com Aquem.

Publicado por

Davi Nunes

Davi Nunes é um poeta, contista, roteirista soteropolitano, publicou os livros Bucala: a pequena princesa do Quilombo do Cabula (2019), Zanga (2018) e Banzo (2020). É graduado em letras Vernáculas, Mestre em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB e faz doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-RIO.

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