O que se chama de Brasil soterrou o Quilombo Saracura

Por Davi Nunes

Sapato de couro com alguns elementos em borracha encontrado no Sitio Saracura/ Vai-Vai. Foto A Lasca Arqueologia/ Relatório parcial da Estação 14 Bis-Saracura/ Reprodução

O projeto que se constituiu como Brasil é antipreto, branco e violento.  Seu nexo se encontra em  engolir, eliminar, soterrar formas outras de ocupação do espaço como podemos notar, nesse momento,  no ressurgimento dos artefatos e dos itens que foram produzidos pelas pessoas pretas que plantaram axé e construíram o que foi o Quilombo Saracura no século XIX e início do século XX, no centro de São Paulo.

Prédios, pistas, avenidas, vigas, toda uma paisagem carcerária, uma arquitetura de cimento e concreto construída pelo projeto urbano eugênico (que consolidou o que conhecemos de Brasil) soterrou o Quilombo Saracura, como tantos outros,  para assentar os pés dos imigrantes europeus que vieram subsidiados pelo projeto eugenista de eliminação das pessoas pretas e branqueamento do país.

 Os mais de 300 artefatos encontrados recentemente no sítio arqueológico Saracura/Vai-Vai, sítio descoberto durante a obra da Futura Estação 14 Bis, revela, para além das agências arqueológicas e antropológicas, sempre suspeitas, a violência com que o Brasil — espaço feito à revelia e com a exploração da população negra — esmagou e esmaga as comunidades pretas, ou melhor, elimina com todo o poder supremacista, como fez com o Quilombo Saracura,  espaços onde teve, tem e terá qualquer vestígio de vida preta.

Quando falo de arqueólogos e antropólogos, quero dizer que quando esses profissionais chegam produzindo os seus laudos e relatórios, empresas brancas ligadas à extração chegam, agora que os corpos quilombolas que construíram a sociabilidade foram eliminados com a história de violência, seus artefatos serão utilizados como usufruto cultural em instituições  feitas à revelia da pretitude.

O que quero dizer é que perdemos por todos os lados, mas que na fresta do tempo podemos escutar com bons ouvidos a voz de algum ancestral do Quilombo Saracura dizer: “Eu não sou brasileiro, meu filho,  eu sou quilombola. O Brasil foi a minha desgraça.”