Mulher branca e a violência antipreta

Davi Nunes

“Uma senhora de algumas posses em sua casa”, Jean-Baptiste Debret, Rio de Janeiro, 1823, aquarela sobre papel, 16,2 cm x 23 cm.

O papel das mulheres brancas na escravidão negra no Brasil veio sendo retratado historicamente na literatura, nas artes visuais e nas telenovelas brasileiras de forma passiva, isto é, como mulheres frágeis e delicadas — dedicadas quase que exclusivamente aos cuidados do lar. De acordo com essa representação suas ações estavam pautadas no casamento e na maternidade, e, devido a essa sobreposição patriarcal, não se envolviam nos assuntos relacionados à violência escravista em consequência de seu gênero.

Na verdade, isso foi um mito construído e impregnado no inconsciente coletivo brasileiro que afastaram as mulheres brancas da imagem de violência que vitimou e vitima mulheres e homens negros de forma avassaladora neste país. Toda brutalidade e violência envolvida na escravidão constituíam parte da formação da senhorinha, como toda a violência empregada principalmente ao homem negro é fermento que mobiliza a psiquê das mulheres brancas de forma maldosa até hoje.

As posicionalidades dessas mulheres no jogo social brasileiro que vão da sinhá, passando à dona, à patroa até à feminista e tantas outras, não excluem em sua estrutura ontológica e psíquica a fobia antipreta, imbricada na brutalidade da escravidão. A violência do porão é atualizada mesmo no antirracismo em voga, pois as mulheres brancas sempre foram basilares no tocante ao gerenciamento e disciplina da população negra no Brasil.

Da senzala ao quartinho da empregada doméstica há registro da violência dessas mulheres aos homens e mulheres negras neste país. Sobre o peso de suas mãos a subjugação racial ganhou e ganha ainda contornos violentos. Como também as coalisões das mulheres brancas com mulheres e homens negros ocorreram / ocorrem quase sempre por vias que beneficiam a elas e ao seu grupo racial em detrimento das questões relacionadas à emancipação do povo negro.

A relação que essas mulheres brancas assumem com o homem negro, me parece, do ponto de vista da violência e da sexualidade ocorrer por duas posições fóbicas: uma, de vê-lo como monstro passível de toda violência contra ela. Outra, como sinhá desenfreada eivada de taras sexuais no sentido fanoniano para usá-lo , subjugá-lo e até puni-lo.

Publicado por

Davi Nunes

Davi Nunes é um poeta, contista, roteirista soteropolitano, publicou os livros Bucala: a pequena princesa do Quilombo do Cabula (2019), Zanga (2018) e Banzo (2020). É graduado em letras Vernáculas, Mestre em Estudo de Linguagens pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB e faz doutorado em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-RIO.

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